quarta-feira, 10 de junho de 2015

Te Desejo o Suficiente

Em um aeroporto ouvi um pai e uma filha nos seus últimos momentos juntas. Anunciaram a partida do avião da filha e, perto da entrada, o pai disse, “Te amo, desejo a você o suficiente”. A filha disse, “Pai, nossa vida junto tem sido mais do que suficiente. Seu amor é tudo que eu sempre precisei. Te desejo o suficiente também, mãe”. Elas deram um beijo de adeus e ela se foi.

A mãe andou em direção à janela onde eu estava sentado. Eu podia ver que ela queria e precisava chorar. Tentei não invadir a privacidade, mas ela me cumprimentou perguntando, “Você já disse adeus a alguém sabendo que seria pra sempre?”.

Sim, já disse, respondi. E ao dizer isso me vieram lembranças de quando expressei meu amor e admiração por tudo que minha mãe tinha feito por mim. Reconhecer que os dias dela estavam no final, reservei um tempo para dizer-lhe pessoalmente o quanto ela significava pra mim.

Então eu sabia o que esta mulher estava passando. “Desculpe por perguntar, mas porque esse é um adeus para sempre”, perguntei. “Estou velha e ela vive muito longe. Tenho desafios à frente a realidade é que a próxima viagem dela de volta será para o meu funeral”, ela disse.

“Quando vocês estavam se despedindo eu ouvi você dizer, ‘Te desejo o suficiente’. Posso perguntar o que isso significa?”. Ela começou a rir. “É um desejo que tem sido passando por gerações. Meus pais diziam pra todo mundo”.

Ela parou por um momento como se tivesse tentando lembrar de algo, então sorriu de novo. “Quando dissemos ‘te desejo o suficiente’, estamos querendo que a outra pessoa tenha uma vida cheia de coisas que a sustente”, ela continuou, e então se virou pra mim e disse o seguinte, como se estivesse recitando da memória:

“Te desejo suficiente sol para manter sua atitude iluminada. 
Te desejo suficiente chuva para apreciar o sol ainda mais.
Te desejo suficiente felicidade para manter seu espírito vivo.
Te desejo suficiente dor para que as menores alegrias da vida pareçam muito maiores.
Te desejo suficiente prosperidade para satisfazer suas vontades.
Te desejo suficiente perda para apreciar tudo que você possui.
Te desejo suficiente ‘olá’ até que chegue ao seu final  ‘adeus'”.

Bob Perks.

AMOR É PRA GASTAR!

Na economia da vida, o maior desperdício é fazer poupança de amor. Prejuízo na certa. Amor é para gastar, mostrar, ostentar. O amor, aliás, é a mais saudável forma de ostentação que existe no mundo.

Vai por mim, amar é luxo só. Triste de quem sente e esconde, de quem sente e fica no joguinho dramático, de quem sente e guarda a sete chaves. Sinto muito.

Amor é da boca para fora. Amor é um escândalo que não se abafa. "Eu te amo" é para ser dito, desbocadamente. Guardar "eu te amo" é prejudicial à saúde.

Na economia amorosa, só existe pagamento à vista, missa de corpo presente. O amor não se parcela, não admite suaves prestações.

Não existe essa de amor só amanhã, como na placa do fiado do boteco. Amor é hoje, aqui, agora... Amor não se sonega, amor é tudo a declarar.

Crônica de Xico Sá.



Casa Arrumada - Carlos Drummond de Andrade

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz. 
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os móveis, afofando as almofadas... 

Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo: Aqui tem vida... 
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha. 

Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. 
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança. 
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde. 
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto... 

Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda. 
A que está sempre pronta pros amigos, filhos, pros netos, pros vizinhos... 
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente. 

Arrume a sua casa todos os dias... 

Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela... 
E reconhecer nela o seu lugar.

Carlos Drummond de Andrade.