quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Doce Lar

Quando leio algo que gosto, tenho vontade de guardar. Ano passado, estava lendo uma revista (Casa e Jardim, outubro de 2016) e a última página era um texto da coluna "DELEITE - TERAPIA DA CASA". Rasguei a página e fixei no quadro de imã que tenho em meu quarto. Não queria deixá-la ali para sempre, então resolvi guardá-la aqui onde guardo outras porções de coisas que fazem sentido para mim. Logo que iniciei os estudos na faculdade de arquitetura, aprendi muito sobre como o ser humano necessita de abrigo e que o abrigo em si não é apenas para proteção, como já disse antes aqui - o texto abaixo fala de forma mais despojada o significado da casa e do lar.


Nossa casa é muito mais do que um lugar de moradia. Ela não é apenas um espaço físico, construído com cimento e tijolos. É um lugar que representa o amor, o cuidado e a proteção de nossos familiares e amigos mais queridos. Nela convivem as pessoas mais importantes de nossas vidas, nossas memórias mais valiosas, tudo aquilo que mais estimamos. Temos um lugar que nos pertence e ao qual, ao mesmo tempo, pertencemos, onde somos parte de um todo repleto de significados, emoções e histórias de vida.
Como mostrou o antropólogo Roberto DaMatta, o espaço da casa é oposto e complementar ao da rua, lugar de violência, do perigo e do anonimato. A casa é o lugar da intimidade e da privacidade, enquanto a rua é o espaço do público e da impessoalidade. Na rua nos sentimos desprotegidos, vulneráveis e inseguros. É o lugar da competição, da luta, do barulho excessivo, da poluição, do lixo e da sujeira, do trânsito insuportável.
Em casa nos sentimos únicos, especiais e insubstituíveis: sabemos que somos alguém muito importante. É o lugar da compreensão, da reciprocidade e do reconhecimento de nosso valor. Na rua não somos ninguém, somos ignorados, nos sentimos invisíveis e desvalorizados.
Alguns espaços, como o jardim, o quintal e a varanda, nos conectam com o mundo de fora e são considerados parte da casa. No entanto, há outros, como o corredor, o elevador, o hall de entrada, a garagem, que não são só nossos. São compartilhados com outros, desconhecidos ou moradores temporários. Não é à toa que são muito comuns os conflitos com os vizinhos, decorrentes de disputas por espaços que são considerados extensões da casa.
Ilustração Sirio Braz
Muitos homens e mulheres que entrevistei, de diferentes idades e posições sociais, disseram que o momento mais feliz de seus dias é quando chegam em suas casas. E o menos feliz pe aquele quando estão fora delas, na rua, no trânsito ou no trabalho. Eles chamam suas casas de: "meu lar", "meu ninho", "meu cantinho", "meu refúgio", "meu castelo", "meu paraíso" etc.
Ao compreender o simbolismo do lugar onde moramos, podemos entender melhor o significado da palavra lar. Em outras línguas também existem palavras diferentes para casa e lar. Em inglês, por exemplo, house é usada para a construção física, e home é o espaço do afeto, da família, do compartilhamento. Daí a expressão tão conhecida: home sweet home.
Você também acha delicioso poder dizer: "lar, doce lar"?


Mirian Goldenberg
Antropóloga, professora da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro e autora de A bela velhice.